O Caminho para a Justiça

Prefácio

Por Myroslava Gongadze

É uma triste verdade no mundo de hoje que a vida de um jornalista é, muitas vezes, perigosa. Nós, na mídia, ouvimos relatos diários de crimes contra jornalistas, de intimidação a assassinato, e é ainda mais difícil quando estes são cometidos contra os nossos amigos, familiares e colegas. A cultura da impunidade com frequência dificulta a busca de justiça para esses crimes e permite que os responsáveis​​, sejam eles autoridades estatais ou elites poderosas, bloqueiem a busca das pessoas pela verdade na mais sangrenta das maneiras.

O jornalista ucraniano Georgy Gongadze e sua esposa, Myroslava, posam para uma fotografia em 1995. Georgy Gongadze foi morto em 2000. (AP/ foto da família Gongadze)
O jornalista ucraniano Georgy Gongadze e sua esposa, Myroslava, posam para uma fotografia em 1995. Georgy Gongadze foi morto em 2000. (AP/ foto da família Gongadze)

Eu fiquei frente a frente com essa cultura inaceitável em setembro de 2000, quando o meu marido, o jornalista Georgy Gongadze, foi assassinado pelas mãos de autoridades ucranianas.

O Caminho para a Justiça
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Georgy era um jornalista investigativo, editor-chefe do Ukrainska Pravda (Verdade Ucraniana), um jornal on-line independente que criticou as autoridades e expôs a corrupção e o nepotismo na administração do então presidente ucraniano Leonid Kuchma. Quando Georgy desapareceu, no dia 16 de setembro de 2000, meu primeiro pensamento foi que ele tinha sido sequestrado por alguém que ele tinha irritado com suas reportagens. A comunidade jornalística na Ucrânia lançou uma campanha amplamente divulgada para encontrá-lo, mas as autoridades mostraram pouco entusiasmo para investigar o desaparecimento de meu marido.

Para muitos de nós, esta falta de envolvimento não foi nenhuma surpresa, já que nenhum dos crimes anteriores contra jornalistas ou dissidentes no país foi totalmente investigado. Mas mesmo eu não suspeitava que tais funcionários do alto escalão do governo, como o presidente, pudessem estar por trás do assassinato de Georgy.

Nos meses após o seu desaparecimento, soube – a partir de gravações feitas secretamente no gabinete do presidente por seu agente de segurança, Mykola Melnychenko, e depois autenticadas por um perito forense norte-americano – quão sério o seu trabalho tinha sido levado nos mais altos níveis de poder. Tomei conhecimento de como ativamente o então Procurador-geral Mykhaylo Potebenko e seu escritório trabalharam para sabotar a investigação e orquestrar um encobrimento do envolvimento de membros do alto escalão do Estado.

O corpo decapitado de Georgy foi encontrado em novembro de 2000, em estado de decomposição. Levaria quatro testes de DNA para confirmar que o corpo era do meu marido. Sua cabeça não foi encontrada até anos mais tarde. Ele havia sido estrangulado até a morte, decapitado, queimado e enterrado por seus assassinos: quatro membros da polícia do governo.

Eu recebi asilo nos Estados Unidos em 2001 e me mudei com minhas duas filhas, temendo que minha vida estivesse em perigo.

Mas encontrar e levar à justiça os autores e instigadores do assassinato do meu marido se tornou a missão da minha vida. Quatorze anos depois do assassinato de Georgy, fomos capazes de obter uma justiça parcial. Três policiais e seu chefe, o general Aleksei Pukach, estão atrás das grades. O ex-ministro do Interior da Ucrânia, que, de acordo com documentos judiciais, ordenou o assassinato, supostamente se suicidou, atirando duas balas na cabeça. Mas os mandantes do crime ainda não foram responsabilizados. Apesar do conhecimento público de seu suposto envolvimento no crime, eles ainda desfrutam de posição privilegiada e conforto material.

Eu continuo a busca por justiça para o meu marido porque acredito que investigar, não só expor, crimes contra jornalistas é a nossa obrigação para com aqueles que lutam para trazer a verdade ao povo.

A luta não foi fácil. Desde o início, as autoridades tentaram sabotar a investigação e destruir a reputação do meu marido e a minha, fabricando informações sobre o seu desaparecimento e morte. Eu tive que passar horas e dias no escritório do promotor lutando contra os funcionários. Meu diploma de Direito e um grupo de apoio de amigos e familiares me ajudou a suportar a pressão e a permanecer forte. Todo esse tempo, minha família e eu estávamos enfrentando o perigo: Eu estava sendo seguida, meus telefones estavam grampeados, e todos os dias eu sentia mais pressão das autoridades.

Mais tarde, quando me dei conta de que seria impossível encontrar justiça dentro da Ucrânia, apelei para as instituições internacionais, como o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Em 2005, o tribunal decidiu a meu favor, afirmando que a Ucrânia tinha violado os artigos 2, 3, 13 e 41 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos ao não proteger o direito do meu marido à vida. De acordo com a decisão, o inquérito não foi adequado, causando muitos prejuízos psicológicos.

A impunidade em crimes contra jornalistas, como este, envia uma mensagem para os criminosos: de que podem controlar os meios de comunicação pelo uso da força contra seus membros, que a intimidação pode continuar. Levar os responsáveis ​​à justiça é a colina final que devemos subir em nossa busca para salvar a vida de jornalistas e para promover a causa da liberdade de expressão.

Devemos apoiar ativamente os que se empenham na busca por justiça para esses crimes. Eu sei, por experiência própria, que combater encobrimentos, fazer uso de tribunais, e lidar cara a cara com indivíduos perigosos e poderosos é frustrante e difícil, e requer muitos recursos, incluindo devoção, dedicação, coragem, fundos e energia incansável. Aqueles que buscam a justiça estão frequentemente em perigo

A causa precisa de um sistema de apoio internacional. As Nações Unidas têm tomado medidas para a construção deste sistema, ao aprovar uma resolução para tornar o dia 2 de novembro o Dia Internacional pelo Fim da Impunidade em Crimes contra Jornalistas e adotar o Plano de Ação da ONU sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade. Essas etapas devem ser levadas adiante.

Este ano, 2014, terá o primeiro dia internacional oficialmente sancionada para se erguer em solidariedade contra a impunidade.

Em homenagem a este dia, eu peço aos governos que cumpram as suas obrigações internacionais para proteger os jornalistas e buscar justiça, não importando o quão alto a busca leve. Peço às organizações internacionais de direitos humanos que apoiem a família e os amigos daqueles que deram a vida pelo bem público, e a estas famílias e amigos para que fiquem fortes e nunca desistam da busca por justiça, quaisquer que sejam os obstáculos. Peço a todos nós nos meios de comunicação e na comunidade de vigilância para encontrar a coragem de defender a memória de nossos colegas que morreram no cumprimento do dever.

Myroslava Gongadze é jornalista e ativista sediada em Washington. Seu marido, o jornalista Georgy Gongadze, 31, foi assassinado na Ucrânia, em 2000. Em 2013, o Tribunal Distrital Pechersky em Kiev condenou o ex-policial Gen. Aleksei Pukach por estrangulamento e decapitação. Gongadze foi condenado à prisão perpétua. Em março de 2008, as autoridades condenaram, como cúmplices de Pukach, três ex-policiais. O ex-presidente Leonid Kuchma foi indiciado em março de 2011, mas o Tribunal Constitucional da Ucrânia considerou inadmissíveis evidencias cruciais. Myroslava Gongadze e seu advogado continuarão pressionando por uma investigação completa sobre quem ordenou o assassinato de Gongadze.

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