é refém de processos punitivosLaureado não poderá comparecer; CPJ busca mudanças de detenção por acusação de difamação

Belém, Brasil, 15 de novembro de 2005 ­ Um destacado jornalista brasileiro que foi laureado pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) com o prestigiado Prêmio Internacional da Liberdade de Imprensa não poderá participar da cerimônia de entrega dos premios que ocorrerá este mês, por causa de uma série de processos punitivos que o transformam em um virtual refém na cidade amazônica onde mora.

“Hoje se tornou indispensável que eu esteja em Belém acompanhando meus 18 processos ativos, em andamento. Tenho que prestar a máxima atenção aos detalhes, ás filigranas dos processos… Sou, na verdade, um prisioneiro domiciliar de fato, embora nâo de direito”, disse Lúcio Flávio Pinto, editor do jornal quinzenal Jornal Pessoal.

Ele disse que os demandantes ­ que incluem poderosos juizes, donos de meios de comunicação, políticos e empresários incomodados com sua incisiva cobertura ­ estão usando todas as vias legais “até que eu me veja compelido a ser preso”.

O CPJ condenou hoje a perseguição legal sistemática a Pinto, baseada na anacrônica Lei de Imprensa de 1967, adotada sob o regime militar, mas que é constitucionalmente dúbia atualmente. O CPJ urge o governo federal brasileiro a entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, que tem a autoridade de anular esta lei usada por demandantes poderosos para silenciar não somente Pinto, mas jornalistas em todo o país.

Pinto, que vive na cidade de Belém, no estado amazônico do Pará, tem noticiado sobre tráfico de drogas, devastação ambiental, e corrupção política e empresarial. Como conseqüência, ele tem enfrentado ameaças, ataques e é alvo de dezenas de ações civis e penais por difamação. Ele disse que os 18 processos civis e criminais por difamação em andamento têm, em comum, dois elementos: estão baseados na infame Lei de Imprensa brasileira, de 1967, que prevê penas severas, incluindo prisão; e todos derivam de matérias envolvendo assuntos de interesse público.

“É vergonhoso que este grande jornalista brasileiro tenha se tornado prisioneiro em sua cidade, incapaz de sair por medo destas ações legais punitivas”, disse a Diretora do CPJ, Ann Cooper, em Nova York. “O objetivo desses processos é censurar um dos grandes repórteres do país, violando a garantia constitucional brasileira. O governo federal deve agir para garantir que as proteções constitucionais tenham significado prático”.

Em reconhecimento por seu corajoso trabalho, o CPJ nomeou Pinto um dos ganhadores do Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa de 2005. Para contexto e entrevista com Pinto: http://www.cpj.org/awards05/pinto.html. Para mais informações sobre o prêmio do CPJ: http://www.cpj.org/awards05/awards_release_05.html.

Profusão de audiências no tribunal e de prazos finais

As datas das audiências associadas aos processos contra Pinto o impedem de viajar para fora de sua cidade; perder uma única audiência ou prazo final, disse ele, o coloca sob o risco de prisão. Por causa do número de processos, Pinto disse ao CPJ que devota mais de 80 por cento de seu tempo a sua defesa em tribunais, deixando pouco tempo para o seu trabalho em um projeto de livro ou para o Jornal Pessoal, fundado por ele em 1987. Pinto precisou defender-se pessoalmente porque advogados temem representá-lo contra poderosos demandantes.

“Pelo menos três vezes por semana vou ao fórum de Belém. Permaneço constantemente em pesquisa de material jurídico e participando das peças de elaboração da minha defesa. É meu maior trabalho atualmente, o que mais tempo me absorve. Há períodos em que minha vida se resume a atender às demandas judiciais”, disse Pinto.

O pesquisador do CPJ para as Américas, Sauro González Rodríguez, viajou a Belém para se encontrar com Pinto e verificar o registro dos processos. A análise do CPJ revelou um padrão de casos impetrados por demandantes ricos e influentes incomodados com sua cobertura crítica.

• Pinto enfrentou duas ações penais e uma civil, impetradas por Cecílio do Rego Almeida, derivadas de uma série de artigos que Pinto publicou no Jornal Pessoal em 1999 e 2000, descrevendo a apropriação de terras ricas em madeira na Floresta Amazônica por companhias controladas por Rego Almeida, dono da Construtora CR Almeida, e seus filhos.

• João Alberto Paiva, um desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, entrou com uma ação civil e duas penais contra Pinto por dois artigos publicados em 2000, nos quais Pinto criticou o desembargador por conceder uma liminar que restabeleceu o controle temporário de terra disputada pelas autoridades brasileiras para uma companhia controlada por Rego Almeida.

• Pinto enfrenta mais de 10 ações civis e penais por difamação apresentadas por membros da família Maiorana, proprietária do diário O Liberal, baseado em Belém, além do grupo de comunicação Organizações Romulo Maiorana. O grupo de mídia também é proprietário da TV Liberal, afiliada local da Rede Globo, a maior rede nacional de televisão do país, e uma estação de rádio. Pinto escreveu vários artigos sobre a família Maiorana e a história das Organizações Romulo Maiorana. Um dos artigos alegava que o grupo de mídia usava sua vasta influência para pressionar empresas e políticos a comprarem espaço publicitário nas empresas de mídia do grupo. Dois membros da família Maiorana pediram ao tribunal que proibisse Pinto de escrever novamente sobre eles ou suas empresas no Jornal Pessoal.

Pinto foi condenado três vezes no tribunal penal e considerado responsável uma vez na corte civil. Uma condenação foi anulada; os outros casos estão com recursos de apelação pendentes. Pinto ainda é réu-primário, o que significa que ele tem direito à suspensão de sua prisão em sua primeira condenação. Mas, se alguma condenação for confirmada na apelação, a próxima pode levá-lo à prisão com sentença de até três anos.

Lei da ditadura sobrevive

A Lei de Imprensa de 1967 parece contrariar diretamente a Constituição brasileira, que garante a liberdade de expressão e proíbe a censura. A Lei de Imprensa, remanescente arcaica da ditadura militar, define alegadas violações em termos amplos como: reportagem ofensiva à moral pública, reportagem que o demandante acredita ser danosa a sua reputação ou ofensiva a sua dignidade; reportagem considerada subversiva à ordem pública e política; e reportagens sobre fatos “reais” consideradas distorcidas ou provocativas.

Processos penais e civis por difamação contra a mídia brasileira atingiram as centenas nos últimos cinco anos, de acordo com a imprensa. Empresários, políticos e funcionários públicos perpetraram várias ações contra meios de comunicação e jornalistas como meio de pressioná-los, drenar seus recursos financeiros, e forçá-los a conter suas críticas.

Demandantes pedem quantias financeiras desproporcionalmente altas a título de “danos morais e materiais”, uma prática que se tornou tão comum que é conhecida como “indústria da indenização”, de acordo com a pesquisa do CPJ. Os processos são perpetrados sob um clima politizado, em que os tribunais de primeira instância freqüentemente interpretam a lei brasileira de forma a restringir a liberdade de imprensa, de acordo com a análise do CPJ.

Vários processos contra Pinto prescreveram e, ainda assim, juizes se recusaram a encerrar as ações. Em janeiro, Pinto foi fisicamente agredido pelo demandante Ronaldo Maiorana no meio de um restaurante. Embora Pinto tenha registrado a queixa, as autoridades não tomaram providências concretas sobre o caso.

Além das várias penalidades civis, a lei de imprensa prescreve termos de prisão que variam entre seis meses e três anos, mais multas. O Código Penal brasileiro também contém várias formas de tratar difamação como crime, fixando penas de seis meses até dois anos de prisão.

Em um sinal encorajador, Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça, a segunda mais alta corte brasileira, disse várias vezes em discursos e entrevistas realizadas este ano que a lei de imprensa foi “implicitamente revogada pela Constituição de 1988”. Vidigal, um ex-jornalista, disse que a habilidade dos jornalistas cobrirem os fatos está severamente restrita enquanto a lei de imprensa permanecer em vigor.

O aprisionamento por ofensas de imprensa tem caído em desuso em todo o continente, mas a perseguição por acusações criminais de difamação continua comum. Em agosto de 2004, a Corte Interamericana de Direitos Humanos anunciou a anulação da condenação pelo delito de difamação, em 1999, do jornalista costarriquenho Mauricio Herrera Ulloa, repórter do diário La Nación. A Corte, baseada na Costa Rica, determinou que a sentença violou sua liberdade de expressão e ordenou à Costa Rica o pagamento de danos a ele. O presidente da Corte, juiz Sergio García Ramirez, escreveu um aparte, questionando a criminalização da difamação e sugerindo que leis como esta deviam ser revogadas.

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