Ações penais no Chile e Peru estabelecem maus precedentes para a liberdade de imprensa

Nova Iorque, 3 de junho de 2016–Duas ações penais contra jornalistas interpostas pela Presidente do Chile e um governador do Peru podem ter um efeito ameaçador sobre a imprensa nos dois países sul-americanos, observou o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).

A presidente do Chile, Michelle Bachelet, apresentou uma demanda penal por difamação contra a revista Qué Pasa em 31 de maio, depois que a revista publicou a transcrição de chamadas telefônicas implicando a mandatária e integrantes de sua família em suposto tráfico de influênçia. Um porta-voz da presidente indicou que Bachelet interpôs a ação como cidadã privada e não como presidente, segundo informações da imprensa.

Em um caso distinto no vizinho Peru, o governador de Callao, Félix Moreno, interpôs uma demanda contra o jornal Perú21 e seu diretor, Juan José Garrido, por uma reportagem detalhando acerca de uma investigação fiscal sobre má conduta por parte de promotores. A ação foi interposta em 15 de abril, mas o jornal apenas foi informado sobre a decisão do tribunal de aceitar o caso em 16 de maio, segundo Perú21.

“Instamos a Presidente Bachelet e o governador Félix Moreno a retirar as ações penais sobre difamação,” declarou Carlos Lauría, coordenador sênior do programa das Américas do CPJ. “A difamação nunca deve ser tratada como um assunto criminal, mas o uso destas leis arcaicas é ainda mais chocante quando é iniciado por funcionários públicos, que devem ser submetidos a um nível maior de escrutínio.”

Em fevereiro de 2015, a Qué Pasa publicou uma reportagem alegando que Caval, uma empresa que pertence à nora da primeira mandatária, poderia ter sido beneficiada indevidamente pelas conexões políticas de sua dona em um negócio de bens imóveis em 2013. Bachelet, seu filho e sua nora negaram qualquer crime, segundo informações da imprensa.

Bachelet interpôs a ação penal contra a revista em 31 de maio, quatro dias após a publicação das transcrições de chamadas telefônicas de 2015, gravadas após uma intervenção autorizada pelo juiz que preside a investigação, entre o gestor imobiliário Juan Díaz, que é um membro influente do partido União Democrática Independente, e indivíduos não identificados. Nessas telefonemas Díaz indicou que a presidente teria sido possível beneficiária do acordo e que se ele publicasse o acordo, Bachelet teria que renunciar.

Díaz negou haver cometido algum crime no caso, segundo informações jornalistícas.

Em uma conferência de imprensa em primeiro de junho, Bachelet leu uma breve declaração reconhecendo que “uma democracia forte e madura necessita de um jornalismo sério e rigoroso” e, prometendo “sempre apoiar a liberdade de expressão”, observou que ela estava “fazendo uso do direito a [defender-se]…de mentiras e injurias que afetam o bem mais precioso que uma pessoa possui: sua honra”. A presidente não aceitou perguntas dos jornalistas presentes.

Em uma declaração publicada por Qué Pasa em seu site em 31 de maio, a revista expressou que havia reeditado partes de uma das transcrições “segundo seus padrões editoriais”, mas defendeu sua tarefa informativa e condenou a demanda por difamação como um ataque contra à liberdade de imprensa.

No caso do Peru, Moreno, governador da região costeira de Callao, interpôs uma demanda penal por difamação com respeito a uma reportagem de outubro de 2015 de Perú21 sobre a investigação do Escritório de Controle Interno da Promotoria de Callao sobre quatro promotores e um juiz que haviam fracassado em investigar um suposto desalojamento ilegal ordenado por Moreno como parte de um negócio de terras. O governador apresentou a ação contra o diretor de Perú21 Juan José Garrido e processou o jornal por 700 milhões de soles peruanos [U$207.000,00] por danos, segundo informações da imprensa. O artigo 99 do Código Penal do Peru permite ações civis “contra terceiros quando a sentença ditada na jurisdição penal não alcança a estes”.

Moreno declarou que não houve irregularidades no negócio de terras, segundo reportagens. As tentativas do CPJ de comunicar-se telefonicamente com o escritório do governador Moreno não foram respondidas.

O CPJ documentou anteriormente como o uso de antiquadas disposições penais sobre difamação têm limitado o alcance de investigações jornalísticas. Em fevereiro, o CPJ viajou ao Peru para divulgar um estudo comparativo das disposições legais sobre difamação nas Américas. Após o lançamento do informe, que foi elaborado para o CPJ pelo escritório de advogados Debevoise & Plimpton LLP em colaboração com a Fundação Thomson Reuters, o presidente do Congresso peruano propôs eliminar a figura do crime de difamação do código penal.

Embora os casos de difamação criminal tenham sido menos frequentes no Chile, o código penal ainda mantém cláusulas que incluem penas de até três anos de prisão por difamação.